Tuesday, July 04, 2006

Confissão

Porque inspiração às 0:15 da madrugada ninguém merece...
Confissão

Nunca o silêncio e a penumbra tinham sido tão reconfortantes. Sempre teve medo da escuridão, mas agora ela era providencial. Medo, naquele momento, só sentia de si mesmo, do que havia feito. Havia se transformado em algo que não conhecia, e que era abominável.
Caminhou a passos lentos pelo corredor principal, em meio a duas fileiras de bancos vazios. O olhar quente por tantas lágrimas, mas seriam de arrependimento? E perguntou-se por um momento o que estava fazendo ali. A luz das velas criava sombras estranhas, que dançavam em meio ao infinito negro, recriminando-o, julgando-o, condenando-o. Parou no meio do corredor. Queria voltar, não sabia de onde tinha vindo a idéia absurda de ir a uma igreja naquela hora da noite. Naquela noite. Mas sentiu que precisava de conforto, precisava acima de tudo confessar o que tinha feito. As lágrimas não tinham fim, os soluços ecoavam pelas paredes e iam até a nave central, e o faziam perceber o quanto estava sozinho. E decidiu continuar a sua caminhada para o altar, ainda com as pernas tremendo e o rosto vermelho do choro, da excitação, da raiva e da vergonha.
Deixou que seus joelhos se dobrassem automaticamente, tombando, cansado. Enterrou a cabeça por entre as mãos, e mais lágrimas vieram, descendo copiosas pelas bochechas já úmidas. “Senhor” - começou, em voz alta - “não sei o que estou fazendo aqui. Não sei rezar, não tenho sequer coragem de levantar os olhos. Mas preciso dizer que matei, Senhor, matei duas pessoas que eu amava e que me traíram, e que tento, mas não consigo me arrepender, faria tudo da mesma forma de novo. Será que sou um monstro? Será que fiquei louco?” - e finalmente levantou os olhos em direção à imagem, buscando respostas. “Será que devo me entregar à polícia?” - e silêncio.
“Senhor, porque ela fez isso comigo? Se ela não me amava, porque não me disse? Se ela amava outro, porque não me falou? Talvez ela me conhecesse melhor do que eu mesmo e soubesse da minha reação...mas e o outro? Ele era meu melhor amigo! Crescemos juntos, estudamos juntos...céus, como ele pôde? E eu sofro, Senhor, sofro porque perdi as pessoas mais importantes da minha vida. E ao mesmo tempo eu rio, porque eles tiveram o que mereceram. Qual desses sou eu? Qual desses prevalece? Não saber me corrói por dentro!”
Respirou fundo. As lágrimas deram lugar à apatia, ao olhar vago típico das grandes batalhas internas. A boca começou a ficar seca. Mas ele continuava ali, imóvel, o olhar fixo na imagem que o observava com complacência. Sentiu-se mais cansado do que nunca: sua cabeça doía, seus joelhos já não suportavam mais. Ainda assim, permanecia inalterável, e sua imobilidade integrava-o àquele ambiente de estátuas santas e suas sombras flamejantes. Por mais paradoxal que possa ser, formava com elas uma simbiose. Mais confortável, recomeçou, com um susurro: “Mostre-me quem eu sou. Não permita que eu viva sem saber quem eu sou. Não permita que eu viva sem saber quem eu sou...”. E à medida em que repetia essa frase, se sentia melhor.
Começou a sentir um pouco de falta de ar, mas atribuiu ao cansaço. Desfez o nó da gravata, e por um momento respirou melhor. Mas já no segundo seguinte, o ar lhe escapava novamente. Sentiu-se mais e mais sufocado, mas nem assim parou de repetir sua súplica. Quando finalmente percebeu o que ia acontecer, sorriu. Os olhos vermelhos e agradecidos voltaram-se para a imagem. “Obrigado”, disse, e tombou para frente, com o corpo já inerte.
Uma lágrima, suspensa, caiu, e foi de encontro ao mármore frio do altar. Não houve tempo para dizer “Amém”.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Oi Nica!!!

Bom este é meu 1° coment no seu blog!

Este conto eu achei o máximo, assim como muitos outros q vc tem aki!
Te apoio em escrever mais e mais contos!

beijos minina!! ti amo de mais!

Ass.: Rafael - O Megafone!

July 4, 2006 at 3:28 PM  
Anonymous Anonymous said...

Oi Moniquinha,
1º Comentário Meu também, como o Meguinha falou, seu blog está um máximo, seu post foi espetacular e estarei sempre na torcida pelo seu sucesso, com toda sinceridade e coração.
Parabéns NOSSA ESCRITORA continue assim e que Papai do Céu continue SEMPRE te abençoando.!!!!!!

July 5, 2006 at 7:54 AM  
Blogger Paty said...

Se tem coisa que gosto cada vez mais nos seus textos é a capacidade de envolver o leitor, de pegá-lo de um tal jeito que se torna impossível largar o texto antes do fim.

Fiquei fascinanda pela batalha interna deste homem, que personifica a culpa católica. Só quem conhece bem os mandamentos se sentiria tão mal por ter descumprido o "não matarás". Destaque pro final fatalista, que soa incrivelmente sarcástico.

Adorei, mulé! :D

July 5, 2006 at 3:15 PM  

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